A CURA DA CRIANÇA INTERIOR
- Tiago Bueno
- 11 de ago. de 2020
- 15 min de leitura
Atualizado: 8 de set. de 2020
“A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou
Mas hoje, vendo que o que sou é nada
Quero ir buscar quem fui onde ficou.”
Fernando Pessoa
Este texto pretende ser o primeiro de uma série que trago ao público do “Odara Terra de Cura”, cuja finalidade é oferecer reflexões sobre o tema, tão importante, que é o desenvolvimento da inteligência emocional. Ao mesmo tempo em que apresento algo profundamente vivencial, cuido também para que não falte a investigação rigorosa, de modo a fornecer um solo firme ao leitor que dá seus primeiros passos nessa zona de conhecimento.
Em determinado momento de minha vida, depois que tive a experiência que lhes descrevo neste artigo, encontrei uma luz diferente, que me fez, por um lado, contestar muitas coisas que aprendi nas religiões e filosofias tradicionais, e que, por outro, me iniciou no caminho da autoria e da produção de pensamento autêntico. A verdade é que, para mim, o autoconhecimento proporcionou construir as coisas de baixo para cima, dentro de mim mesmo. E para fazer isso, muitas vezes tive que passar por uma solidão interior, na qual estava totalmente voltado para mim mesmo, de modo a realmente extrair a força que habitava em meu interior, e não nas ideias e opiniões dos outros.
Apoio das emoções
Nossa consciência frequentemente faz um giro de 180 graus, quando imediatamente encontra as partes dentro de nós com as quais temos tantos problemas. Isto pode ser uma solidão profunda ou ansiedade. Mas também pode consistir de sentimentos de desassossego, raiva, tristeza e medo. Neste ponto da jornada, justamente quando estamos comprometidos com o crescimento da nossa consciência, é muito importante não expulsarmos estes aspectos desagradáveis de dentro de nós, mas ficarmos com eles, acompanhando-os e orientando-os, como um pai faz com uma criança.
Nossas emoções, então, passam a receber uma nova claridade. Essa nova perspectiva leva-nos a ressignificá-las. Ao invés de continuarmos classificando-as como negatividades ou vícios, começamos a ver nossa própria dor como uma oportunidade para o autodescobrimento. Sim, elas se tornam uma fonte fecunda para o autoconhecimento. Pode parecer estranho ver positivamente algo que nos cause dor, porém, permita-me explicar melhor como cheguei a esse conhecimento e, acredito, nossa compreensão sobre quem realmente somos certamente ganhará maior amplitude.

O campo da unidade
Antes de continuarmos, quero convidá-lo(a) a ir comigo visitar o “campo da unidade”. Trata-se de um lugar que todos nós podemos ter acesso. Sim, por gentileza, vamos juntos a este local. O “campo da unidade” é um lugar em que não existe certo nem errado; não existe culpado nem vítima; não existe julgamento, proibição nem restrição a ninguém. Ali nos tornamos meros observadores da vida. Todos podem se encontrar neste lugar e viver em unidade, apesar da diversidade. Lá ninguém é contra nada nem contra ninguém.
Neste campo, a natureza ganha em expressão, e passamos a ver que a sua diversidade não é uma ameaça, mas riqueza. Sim, os seres humanos também são diversos e não há como obrigar ninguém a pensar como nós ou proibi-los de expressar a maravilha que trazem dentro de si. Também não se pode controlar ninguém e, talvez, por este motivo, possa parecer um tanto conflitante para nós convivermos ali, acostumados que estávamos com a necessidade de poder e controle.
Estamos nos aprofundando cada vez mais, chegando ao núcleo deste “campo”. Este é o ponto decisivo do local, pare aqui por alguns segundos.
Neste momento o aprendizado começa a realmente acontecer. Aqui, eu e você nos encontramos “sem chão”. Ou seja, colocamos em suspensão todas as nossas crenças, tudo aquilo que projetamos como nosso modelo de verdade é suspenso, AGORA.
Aceitamos desestabilizar tudo o que aprendemos de modo que algo novo possa surgir. A aceitação completa do que é, do que somos, acontece aqui. Não temos mais classificação alguma sobre nada. Estamos abertos, e isso é tudo. Bem-vindo ao “campo da unidade”. Podemos continuar!
Abertura para se escutar
“ O poeta inferior diz o que julga que deve sentir.
O poeta médio diz o que decide sentir.
Dizer o que efetivamente sente é tarefa para o poeta superior".
Fernando Pessoa
Abertura é uma palavra chave e essencial. No dia em que desisti de lutar, resistir ou vencer minha raiva, algo mudou. Observei-a, simplesmente. Então, sem julgamento de certo ou errado, perguntei a mim mesmo se o que eu estava sentindo era realmente raiva.
- Tiago, você está com raiva?
Perceba que você se sente escutado(a) ao receber de volta do interlocutor o reflexo daquilo que você está sentindo. Isto é profundamente curativo, já que nosso coração sente-se ouvido. Estava realmente aberto a escutar minha própria dor.
- Sim, eu estou com muita raiva – foi a resposta que recebi.
A novidade surgiu de dentro. Eu estava pela primeira vez me desidentificando do meu próprio sofrimento.
- Você está com raiva por ter se sentido desvalorizado naquela situação. Foi isso? – perguntei.
- Sim, a pessoa não me deu o devido valor e consideração – falou a minha dor.
- Quer dizer que você necessita ser valorizado, é isso? Por isso que você está sentindo tanta raiva? – perguntei.
- Sim, eu necessito ser valorizado – respondeu ela.
O próximo passo seria querer me responsabilizar e atender minhas próprias necessidades.
- Será que eu poderia, de alguma forma, lhe dar essa valorização que você está necessitando? – perguntei.
A resposta, porém, veio surpreendente e ao mesmo tempo desafiadora:
- Ah, quer dizer que agora você resolveu dar atenção a mim. Resolveu ser bonzinho? – questionou-me a dor.
Nesse instante minha memória levou-me de volta ao passado. Enxerguei-me em plena adolescência, na beira da praia, chorando, culpado, desrespeitado por mim mesmo. Havia deixado o emprego na cidade para aproveitar o verão. Sentimentos de culpa, uma dor profunda e remorso arrebataram-me violentamente. Lágrimas pesadas rolaram de meus olhos.
- Idiota! Por que você fez isso? Tanta gente confiou em você – dizia minha autocrítica destrutiva.
Para mim, no entanto, foi fácil esquecer a situação, afinal havia muitos recursos disponíveis para eu estar cada vez menos preparado para lidar com o sofrimento da minha condição humana. Bastava repartir dos mesmos vícios e jogos dos sentidos que anestesiavam a juventude de minha época. Havia sempre uma forma de se refugiar da nossa dor humana e insatisfação.
Assim, procurei esquecer aquilo e “viver”. Todavia, o fato é que esse adolescente ferido continuou sua jornada dentro de mim. Sim, vivia abafado. Levava uma vida paralela, uma existência obscura, sendo ignorado, resistido, rejeitado por mim mesmo. O universo, entretanto, é muito rico e sábio. Daria um jeito de fazer com que eu voltasse minha atenção novamente para o meu interior.
A cura da criança ferida
Eu sinceramente desconhecia a lógica de que estamos aqui na Terra também com a finalidade de curar a criança ferida e traumatizada que trazemos dentro de nós. E isto me custaria, é claro, uma aventura solitária de intimidade comigo mesmo, que pode ser expressa como uma convivência muitas vezes dolorosa com uma personalidade sombria e desconhecida dentro de mim mesmo. Eu precisava olhar para esse "estranho" que me habitava tão intimamente, o que significava tornar o meu lado destrutivo consciente e explorar seu significado e propósito mais profundo.
Embora a vida possa exigir nosso auxílio a outros, a primeira responsabilidade é conosco mesmo. Caso esqueçamos esse ensinamento, nossa criança interior fará o favor de nos lembrar. A dor dela irradiará vibrações que atrairão pessoas ou situações para servirem de espelho, a fim de que possamos ver o que ela está sentindo dentro de nós. Por favor, permita-me explicar com um exemplo.
Minha mãe convidou-me para o seu aniversário. Sabia da importância de minha participação para ela no evento. Seria comemorado em uma tarde de domingo na cidade de Canoas, próximo a Porto Alegre, onde eu residia. Entretanto, acabei me desorganizando e chegando ao final da festa, apenas para ajudar a recolher o que sobrou. Senti-me muito mal com aquele episódio. Logo surgiu o sentimento de culpa e remorso pelo acontecido. Procurei então analisar a situação como um observador. Por que motivos inconscientes criei aquilo para mim? A resposta não demorou.
Minha criança interior, por trazer sentimentos de culpa dentro de si, criou aquela “cena” para poder se manifestar, de modo a despertar minha atenção para a necessidade de começar a trabalhar com ela o autoperdão.
Talvez você possa questionar se isso não seria criação de minha própria cabeça. Todavia, uma certeza dentro de mim dizia que não, e isso foi fundamental para que eu confiasse na intuição. Sabemos que absolutamente nada na vida acontece por acaso. Todos os acontecimentos possuem um propósito superior de nos remeter a nós mesmos, a fim de curar ou desencadear um nível maior de percepção e entendimento sobre nosso próprio ser interior. Quando estamos inseridos num processo de autodesenvolvimento e transformação, o menor fato ganha significado, ainda mais se ele gerar emoções em nós. Esta é a linguagem utilizada pela nossa criança interior. Se for possível, por favor, pare um pouco e pense alguns instantes. Qual é a situação que está permitindo a sua criança interior falar com você no momento?
A Revelação
“Vale mais a pena ver uma coisa sempre
pela primeira vez que conhece-la,
porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez,
e nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar”.
Fernando Pessoa
Continuei a observar e escutar as emoções que minha criança interior manifestava. E foi assim que cada vez mais vi aparecer a raiva e também as mesmas necessidades de me sentir valorizado e respeitado. Percebi que minha dor era muito maior do que imaginava. Minha necessidade recorrente de ser valorizado deixou claro que minha criança interior acreditava profundamente que não tinha valor. Onde estava a origem daquela tão baixa autoestima?
Toda vez que a raiva se repetia, procurava deixar claro a ela (criança interior) que eu a escutava e que queria aprender a amá-la e aceitá-la da forma como ela era. Isto me trazia alívio. A aceitação é um dos melhores remédios, senão o melhor. Toda vez que sentia a minha necessidade mais profunda, eu passei a estar ali presente, sem ter que fazer nada. Eu estava aprendendo a suportar minha condição humana. Isto me possibilitava conquistar ainda mais a confiança da minha criança interior, pois a permitia ser capaz de conviver e suportar o sofrimento.
Nessa época, passei também a recebê-la como a um ouvinte interessado, aberto. Foi então que ela abriu seu coração a mim e iniciou a expressar-se mais livremente. Comecei, então, a pedir que me levasse à origem da sua dor. Assim, durante uma viagem que fiz à cidade de Canela, minha criança interior, confiando no adulto que começara a escutá-la, levou-me em uma jornada de volta aos anos iniciais de minha vida.
Traumas da gestação
Revi toda minha adolescência. Perdoei e pedi desculpas a muita gente, mas, principalmente, perdoei a mim mesmo pelos erros cometidos. Cheguei, então, na primeira série do ensino fundamental. Recordei-me que havia reprovado lá. Por esta razão, senti a necessidade de seguir adiante e voltar ainda mais. A crença de não ter valor era anterior a isso. Aprofundei-me mais ainda! Repentinamente, então, cheguei à barriga de minha mãe. Aqui, o susto, a sensação de pânico, o medo, o choque, um tremor dominou-me completamente. Meu corpo sentia tudo o que minha mãe sentia. O que havia acontecido com minha mãe durante minha gestação? – indaguei. Afinal, ela sempre havia me dito que eu e meu irmão fomos os bebês mais esperados do mundo.
Percebi que minha criança interior queria revelar-me algo muito maior. Será que a origem da sua baixa autoestima estava ali? Talvez. Na semana seguinte fui em busca de minha mãe.
Encontrando-a, pedi que me contasse tudo sobre minha gestação. Ela iniciou com a pergunta:
- Realmente quer saber tudo, meu filho? Até as partes ruins?
- Principalmente, mãe – respondi.
Resumindo, minha mãe sofrera uma decepção (traição) fortíssima antes de ficar grávida. Meu pai quando soube do segundo bebê, pedia para retirá-lo. O casamento estava de mal a pior. Neste ínterim, a barriga de minha mãe “caiu” e três hérnias se formaram, causando grande risco ao bebê. Sua saúde emocional estava abalada. Sentimentos como medo, insegurança, abandono e rejeição dominavam-lhe o espírito. Confessou-me também que acreditava que nasceria um bebê excepcional, com deficiência mental. Por último, foi ao hospital, sozinha, dar à luz.
Após todo esse relato, senti-me aliviado. Sim, não era minha culpa toda a problemática de minha existência. É sabido que o bebê absorve em seu corpo emocional todas as emoções vividas pelos seus pais ao longo da gestação e dos primeiros anos de vida. Agora, ganhava cada vez mais compreensão e entendimento acerca de mim mesmo.
A criança interior adquiria confiança em mim e começava a revelar coisas mais profundas. Meu próximo passo foi falar com meu pai e compreender o que o levara a buscar felicidade fora do lar.
Conversando com papai
“Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos”
Fernando Pessoa
Iniciei a conversa perguntando a meu Pai como era meu avô. Após conhecer como foi sua infância e criação, entendi que ele trazia crenças profundamente arraigadas do círculo masculino ao qual havia sido criado.
Naquela época, no interior do Rio Grande do Sul, o machismo era algo culturalmente “aceito” e, portanto, não podia ser questionado seu valor. O homem tinha todo o direito a ter relações extraconjugais. A mulher, absolutamente! Porém, buscando explorar mais a raiz daquela atitude de meu pai, ele revelou-me um profundo sentimento de vazio, o qual, imaginei, tentava suprir por meio de relacionamentos. Sim, ele também é um anjo.
Apenas, assim como muitos de nós, meu pai vivia identificado com as necessidades e dores da sua criança interior, buscando provê-las da forma como aprendeu. Todavia, quando vier a se conscientizar sua verdadeira identidade, o poder dessa consciência despertará sua capacidade de curar a si mesmo, de ir além do seu aprendizado cultural, e também de abastecer suas necessidades diretamente na Fonte.
Assim como a semente traz em si o potencial da árvore, o ser humano carrega dentro de si a riqueza de sua ancestralidade. A água gera vida e desperta a semente. O conhecimento divino desperta quem está dormindo e mostra-lhe sua verdadeira identidade. Ninguém é culpado de nada. Um dia saberemos o significado de cada coisa.
Parabenize-se, por favor!
“O caminho para cima e o caminho para baixo
são um único caminho.”
Heráclito
Após todas essas descobertas, fui tomado por um grande alívio e sentimento de leveza. Não era minha culpa todos os bloqueios e dificuldades que eu experimentava dentro de mim. Esta compreensão fez com que a criança interior fosse me revelando outras coisas importantes, à medida que me esforçava para amá-la e aceitá-la da forma como ela era.
Aprendi, então, duas coisas fundamentais:
1) A criança interior está profundamente identificada com o corpo. Por isso, ela busca o prazer físico a qualquer custo quando não se sente amada. Assim, faço-lhe dois pedidos muito especiais: Em primeiro lugar, solicito a você que toda vez que se veja no espelho, elogie-se. Não seja econômico neste aspecto, por favor. Ao se enxergar no espelho, tudo o que pensar ou falar a respeito de si próprio, atingirá o âmago da sua criança interior.
2) Cuide para valorizar todo e qualquer ato do seu dia a dia e comece a escutar a linguagem da sua alma, que fala através das emoções. Dessa forma, poderá descobrir quais são as suas próprias e verdadeiras necessidades, de forma a atuar apoiando-se nesta linguagem para criar as mudanças que sua alma deseja realizar.
O ponto de mutação e poder sempre está no AGORA. Simplesmente ame-se e se aceite exatamente como você é. E aprenda a parabenizar a si próprio pelos menores esforços que você faça. Escreva cartas de amor e envie a você mesmo. Experimente fazer isso e rapidamente sua criança interior abrirá novas portas de confiança a você. Ela trará pessoas e situações que o ajudarão a amá-la cada vez mais.
Neste período em que comecei a parabenizar cada atitude de minha criança interior, como, por exemplo, tomar um banho gostoso, colocar uma boa roupa, descansar, rir, abençoar as pessoas que estavam dentro do ônibus... Foi atraído até mim um profissional de psicologia chamado Dr. Deroni.
Ouvindo atendo à criança interior
Era uma quarta-feira antes do carnaval. Eu estava numa ONG, em Porto Alegre. Fazia duas semanas que estava lá, no período de minhas férias, envolvido com tarefas cotidianas de cuidados e manutenção da mesma. Confesso a vocês que me encontrava ansioso e inquieto. Então voltei minha atenção para a criança dentro de mim e procurei enxergá-la. Ela estava virada e com o rosto emburrado. Perguntei se ela estava ansiosa ou triste comigo. Nem me olhou. Apenas disse irritada:
- Como você quer que eu esteja? Eu quero me divertir! Não aguento mais ficar aqui.
- Está bem, Tiago - respondi. É muito bem-vindo seu sentimento. Farei o possível para te dar um carnaval alegre. Quero apenas reforçar que te amo e te aceito do jeito que você é – disse eu.
Eu falei com ela dessa forma na quarta-feira e pedi aos poderes superiores que viessem me ajudar. Na quinta-feira, chegou o psicólogo que comentei nas linhas acima. Apareceu na ONG para comprar um baralho de virtudes, pois disse que o usaria em um seminário sobre liderança e inteligência emocional, que estaria ministrando durante os quatro dias de carnaval, em um hotel, na cidade de Canela. Fiquei logo interessado no tema e demonstrei meu interesse a ele. Sexta-feira à noite, eu recebo uma ligação. Do outro lado da linha encontrava-se a secretária do psicólogo para me dizer que ele havia conseguido uma vaga para eu participar do evento com tudo pago. Minha criança pulava dentro do meu peito. Que surpresas não estariam me aguardando?
A Catarse
“Não importa que tenham demolido.
A gente continua morando na velha casa em que nasceu.”
Mário Quintana
Posso dizer que nos três primeiros dias do seminário, via-me como um dos personagens do filme “Sociedade dos Poetas Mortos”. Tivemos, eu e mais 20 pessoas, uma diversidade de atividades e dinâmicas em grupo que tudo parecia lembrar-me aquelas palavras “Carpe diem”, aproveite o dia! Nunca havia vivenciado algo igual. Porém, o principal estava por vir. Descobri que todas as atividades eram apenas uma preparação para o que iríamos vivenciar no último dia. Sim, o último dia! Algo realmente arrebatador aconteceu comigo.
Não poderei contar em detalhes a atividade feita pelo profissional e sua equipe, porém descrevo o que vivi. Apesar de todas as descobertas feitas com minha criança interior, ela ainda estava longe de se curar. Melhorou muito, é verdade. Todavia, algo se encontrava profundamente enraizado nela. Naquele momento, começamos a última atividade. Digo-lhe que pude ver e sentir minha mãe no momento do parto. Ao mesmo tempo, começou a subir em meu peito uma amarga dor retraída com choro. E as palavras que vinham em minha mente eram:
- Eu quero morrer, me tira daqui! Eu quero morrer, me tira daqui. Eu quero morrer... Tira-me daqui.
Comecei a chorar e dizer muito baixinho o que me vinha. De repente minha boca entortou. Eu mal conseguia falar. Fazia um esforço para dizer aquilo. Sentia uma espécie de dor reprimida naquelas palavras que brotavam do meu interior “Eu quero morrer, me tira daqui. Eu quero morrer...”. Foi então que, enquanto eu repetia e chorava, o profissional fez sua intervenção como um verdadeiro cirurgião, dizendo-me ao pé do ouvido:
- Reprograme agora. Diga “Eu quero viver”.
Com muito custo, comecei lentamente a forçar as palavras “eu quero viver, eu quero viver, eu quero viver”. Algo inusitado aconteceu. Meu coração semelhou-se, naquele instante, a uma gigantesca represa estourando o ferrolho que o impedia de fluir. Não conseguia ocultar o assombro que se apoderara de mim. Gritava, aos prantos. Chorava convulsivamente. As palavras tomaram uma dimensão de destemor e um sentimento de empoderamento, que eu jamais havia experimentado, invadiu-me completamente.
- Eu quero viver, eu quero viver, eu quero viver nesse mundo. Eu vou viver! É agora que eu irei viver de verdade nesse mundo – gritava repetidamente chorando.
Logo após a catarse inicial, continuei chorando. Só que agora parecia ter sido dominado por uma força divina e um novo sentimento de amor que, penetrando minha consciência, repetia constantemente: “Eu sou como sou e sou amado pelo que sou. Eu sou como sou e sou amado pelo que sou. Eu sou como sou e sou amado pelo que sou”. Sentia que havia renascido.
Algo muito grande havia sido libertado de mim. Era como se uma crença limitante houvesse subido à consciência e sido reprogramada, abrindo espaço para a manifestação de minha verdadeira natureza. E agora, como seria viver com a minha criança interior? Estaria ela ainda com a mesma dor?
Conclusão
“- Não acredito nisso! – exclamou Alice.
- Não? – perguntou a Rainha num tom penalizado.
- Quando eu tinha a sua idade, sempre praticava meia hora por dia.
Porque às vezes eu acreditava em até seis coisas
impossíveis antes do café da manhã.”
Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol
Estamos todos numa embarcação, atravessando um oceano. Há um barqueiro que conduz nosso navio. Ele nos lembra que somos verdadeiramente dignos e perfeitos. Incentiva-nos a manter nossa atenção em quem verdadeiramente somos, esse ser realmente pleno que mora em nosso interior. Ali repousa a divindade, cuja imagem é o próprio reflexo da Fonte.
Sabemos agora, que esse mesmo ser divino traz consigo uma criança muito ferida, cuja responsabilidade de curá-la é totalmente nossa. Infelizmente, vemos que grande parte da tripulação desse navio, ao invés de ajudar essa criança nos seus momentos de dor, tristeza, raiva, solidão ou angústia, aprendeu a criticá-la, dizendo que ela não deveria sentir o que sente. Ao ouvir isso, a mensagem que ela interpreta é a seguinte: “Meus sentimentos não são bons, portanto estou errada e não mereço ser amada”. Com isso, aumentam sua tristeza e insatisfação.
Muitos de nós encontram-se nessa “terra de ninguém”, resvalando no terreno da autocrítica e ódio voltados contra si mesmo.
A fim de fazer uma viagem gostosa e frutífera, encorajo você a escrever repetidas vezes sua intenção de começar a amar essa criança ferida. Por favor, não ignore as emoções dela. Ao contrário, traga-as à luz da sua consciência e faça como o poeta que corajosamente anunciou a todos dizendo:
“A criança que fui chora na estrada. Deixei-a ali quando vim ser quem sou, mas hoje, vendo que o que sou é nada, quero ir buscar quem fui onde ficou”.
Por último, não se esqueça de dançar. Não caminhe na Terra, dance! Sempre que puder dance o máximo possível, mesmo que não saiba. Os anjos no céu dançam de alegria e felicidade. Arrisquemo-nos também e façamos o nosso melhor. Merecemos ser felizes!
Por Tiago Bueno
Professor e pesquisador
Vídeo do autor sobre Comunicação Não-Violenta em: https://youtu.be/wD-GZkGO9xU
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