Empatia consigo
- Tiago Bueno
- 26 de ago. de 2020
- 8 min de leitura
Atualizado: 15 de set. de 2020
Acho que algo que ganhei nestes últimos tempos é um espaço mais confortável dentro de mim mesmo para ser imperfeito e irresponsável.
Tenho me permitido dizer a mim mesmo, quando não funciono como gostaria: "Tu está fazendo o teu melhor, segue adiante que eu estou aqui para te apoiar." E eu creio também que este sentimento de "não condenar-se", "de não lutar contra si mesmo", devido a sua imperfeição, é uma conquista, conseguida não por ser espiritualmente virtuoso (não acredito nisso), mas por se dispor a mostrar-se tal como se é, vulnerável, e por assumir a responsabilidade por isto.
E eu tenho percebido que quem desenvolve esta habilidade de deixar ir aquela pessoa que acha que deveria ser, para ficar com quem se é, ganha a recompensa de se tratar como alguém que é merecedor, mesmo sendo imperfeito e muitas vezes irresponsável. Algo que, por sinal, deve ser novo para muitos de nós. Afinal de contas, é bem desafiador assumir a responsabilidade, sem culpa ou autoexigência por algo que, dentro de nós, tem sido a causa de sofrimento e dor.
A verdade é que, acreditando nisso ou não, você só pode dizer adeus a alguma coisa, quando a respeita, quando aprecia o que ela lhe trouxe, pois assim você a deixa ir amorosamente. É como se a dor que acumulamos precisasse da nossa aceitação para poder ser liberada. Só então poderemos atravessar o limiar, livres e aliviados. Portanto, é sempre interessante respeitar a noite escura da alma, ao passarmos por ela; e muitas vezes, a mensagem que ela traz consigo. Isto quer dizer que você estende a mão para a escuridão e diz: "Você é boa como é; eu a compreendo. Eu não luto contra você; eu lhe dou um lugar dentro de mim. Você é um lembrete dos velhos tempos e eu aprendi muito com essas experiências." E é somente devido a estes altos e baixos que experimentamos, que pode amadurecer uma sabedoria que é viva em nosso interior, que sabe como "não condenar-se" e "não lutar mais contra si mesmo".
A sabedoria do não-julgamento
"Aquele que não morou nunca em seus próprios abismos, nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas, não foi marcado. Não será exposto às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema". Manoel de Barros
O que revela a nossa humanidade é a preocupação em ocultar o menos possível nossa própria fragilidade. Aceitá-la significa enxergar nossos medos e assim entender profundamente nosso próprio lado escuro e sombrio, bem como seu papel e propósito. Ao permitirmos que este fato ocorra em nossa consciência, abrimos o portal para a maior sabedoria que podemos abraçar em nossas vidas: a sabedoria do não-julgamento.
Acredito que todos nós ansiamos por um modo pacífico, não combativo, de lidar com a nossa escuridão. Entretanto, não temos a experiência de realmente viver com este ideal. Parece até que, às vezes, encontramo-nos numa “terra de ninguém”, numa situação paradoxal onde procuramos superar nossas “negatividades” através do combate e da luta, ou seja, a própria energia que desejamos abandonar.
Uma boa parte dos ensinamentos espirituais nos diz para eliminarmos nossa escuridão. Não estou aqui para negá-los. No entanto, parece-me que a simples ideia de eliminar algo carrega consigo um julgamento embutido de que aquilo está errado. Este julgamento gera mais medo em nosso lado sombrio, transformando-o, por vezes, num monstro medroso e horripilante.
Boa nova
A boa notícia, porém, é que transitamos para um novo nível de consciência, que está fundamentado na aceitação de tudo, de todas as coisas que existem. É um tipo de consciência que libera a ideia de que a luta resolve qualquer coisa. E isto significa não existir batalha entre o bem e o mal, nem oposição à escuridão.
Antes de trazermos à luz este novo tipo de consciência, muitas pessoas se encontram no meio de uma “noite escura”, que traz à tona uma camada muito profunda de dor e medo que deseja ser vista à luz do dia. Esta área de nossas consciências vem à tona justamente para ser liberada, de modo que possamos irradiar nossa luz neste mundo de forma mais alegre e pacífica.
É como se existissem correntes de energia em ação no planeta que empurrassem energias velhas e escuras para a superfície, num ritmo que pode parecer impiedoso, se nós não confiarmos no processo.
Isto acontece sempre que o novo está prestes a chegar. Entretanto, há uma etapa difícil: a luta de morte do velho. Desse modo, buscamos enfocar uma forma empática, baseada no diálogo e na aceitação de nossa escuridão interior, de modo a compreendê-la e aceitá-la. Este é um passo importante para transformá-la, visto que somente o amor transforma o medo. Trata-se, portanto, de um campo novo a ser explorado por todos aqueles que cansaram da luta como método para lidar consigo mesmo.
Não pretendemos encerrar nenhuma verdade, mas apenas abrir o diálogo e compartilhar experiências que possam servir como um ingrediente a mais na confecção do bolo que cada um deverá fazer por si mesmo. No final, ao descobrir a sua própria receita, pedimos que compartilhe sua maravilha com o mundo. Esta é a beleza de sermos diferentes.
Encontrando o próprio caminho
O fato é que, dentro da maioria de nós, existem partes que se encontram perdidas na escuridão, com medo da luz, com medo da vida, de tal maneira que não acreditam mais na possibilidade de se sentirem amadas, de serem felizes e de reencontrar seu próprio caminho. À medida, porém, que você adquire maior consciência de Si, do quão grandioso é o seu Ser, constrói-se um estofo de representação de si mesmo, imprescindível para sustentar escavações profundas que nos permitam encontrar e enfrentar todos os sentimentos e emoções que antes estavam escondidos na escuridão. Estes sentimentos e emoções contidos são a porta de entrada para o seu Eu Superior. E isto você faz ao explorar o que você realmente sente, em vez daquilo que se supõe que deva sentir. Desse modo, você recupera sua espontaneidade e integridade, essa parte de você que temos chamado de “criança interior”. Entrar em contato com seus verdadeiros sentimentos e emoções, portanto, faz com que você se coloque no caminho da liberação. Começando, assim, a transição para apoiar sua consciência em seu coração.
Apoiar sua consciência sobre o seu coração significa reconhecer sua própria luz, sua própria grandiosidade, aqui e agora.
Significa também reconhecer o núcleo de medo, que é o principal motivador de todas as expressões de consciência que estão apoiadas sobre o ego. Quando você é capaz de fazer isso, de entrar em contato com seus medos e acolhê-los, você libera o julgamento, o crítico interior, passando assim a exercer o autoamor, o autoperdão e a autovalorização.

Em que aspecto sua criança interior busca atenção?
Permita-me dar um exemplo, por favor, a fim de clarear o que estou procurando dizer. A pouco tempo comecei a perceber que determinados padrões de pensamentos e emoções negativas se repetiam em meu interior. Eles se apresentavam constantemente, denunciando que precisavam de minha atenção. Eu andava sentindo uma raiva muito intensa, o que me levou a voltar a atenção para dentro de mim e procurar por aquela área escura, imaginando-a como se fosse uma criança que se sentia desprezada. A criança no escuro representa a parte dentro de cada um de nós que tem carregado muita dor sem entender por quê.
Fiquei muito surpreso com o que vi, pois enxerguei um garoto todo sujo, machucado, que me xingava sem parar, dizendo o quanto me odiava. Meu primeiro sentimento foi de tristeza e também de medo dele. Desfiz a imagem e voltei para fora. Não sabia como agir naquele instante. Eu achava que já havia curado suficientemente as partes dentro de mim que se encontravam feridas. Mera e infantil ilusão. Enquanto adiava voltar lá e “enfrentá-lo”, crescia minha raiva em relação a uma pessoa e situação pela qual eu estava me defrontando.
Decidi então voltar a revê-lo. E lá se encontrava o mesmo garoto sujo, machucado, parecendo um cachorro acuado, pronto para me morder. Após ouvir uma série de acusações da parte dele, apenas concordei e lhe disse que meu mais sincero interesse era o de escutá-lo. Neste instante, percebi um pouco mais de abertura da sua parte. Aproveitei então a oportunidade e pedi para sentir todo o medo que ele estava sentindo. Eu sabia que se conseguisse envolver aquela dor com compreensão e compaixão, minha luz se irradiaria sobre aquela área escura que vinha sendo a fonte de emoções e pensamentos negativos. Este é poder da nossa consciência. A consciência é luz. Portanto, ela não precisa lutar contra a escuridão; sua simples presença a dissolve. O garoto então olhou-me e falou para segui-lo. Não preciso descrever com detalhes, mas entramos dentro de um lugar completamente escuro, parecendo uma espécie de caverna. Vi, nesse instante, ele mudar, de uma hora para outra, de um garoto raivoso, difícil, intocável, para revelar-se noutro alguém, necessitado, sozinho, com medo. Chorando, começou a falar-me:
- É aqui onde eu vivo. Eu tenho medo da luz, tenho medo das pessoas, tenho medo de viver. Eu nunca saio daqui.
Eu apenas o ouvia, condoído, enquanto ele prosseguia:
- Você não sabe o que é ser rejeitado da forma como eu fui. Você não sabe o que eu já passei.
Entendi, naquele instante, que muitos de meus medos internos vinham de partes muito antigas, de outras vidas minhas, que estão talvez muito distantes no tempo. Desse modo, me aproximei ainda mais dele e acolhi sua cabeça entre meus braços. Senti que era tudo o que ele mais queria. Ele continuou a falar por mais um tempo, quando me surgiu repentinamente uma vontade de ajudá-lo a sair dali. Neste momento estraguei tudo. Ele sentiu minha não aceitação e desapareceu. Não consegui mais voltar a revê-lo. Apenas sinto-o à distância, toda vez que tenho medo de ser rejeitado.
Aprendi, desde então, que só serei realmente capaz de ajudar alguém, quando conseguir desapegar da minha própria vontade de querer ajudar. Isto soa paradoxal. Mas, de fato, estou apenas dizendo que precisamos aceitar completamente nossa realidade atual, antes que possamos avançar para uma nova. Isto significa o mesmo que aceitar aqueles sentimentos e partes dentro de nós que criam a realidade exterior.
A criança interior pede carinho
Há uma criança dentro de cada um de nós, clamando por nossa atenção e carinho, não pelo nosso julgamento. Por isso, acredito que o momento é propício para gentileza e bondade para conosco. Dedicar-se, por exemplo, a viver um dia de cada vez e ousar ser verdadeiramente doce e gentil consigo. Toda vez que somos duros, impacientes e críticos conosco, escorregamos de volta para a antiga energia, magoando nossa criança interior. Existe paixão em nossos corações e almas. Chegou a hora, portanto, de sermos a face da compaixão e da bondade para conosco. Somente assim permitiremos que nossa radiância abençoe os outros. Quando nos preenchemos com uma consciência amorosa, com uma aceitação completa de quem nós somos em todas as nossas facetas, criamos o canal através do qual a luz vem facilmente e flui automaticamente para os outros também.
Você se torna um anjo humano no momento em que ousa encarar e aceitar sua própria escuridão. Isto fará com que sua luz se torne pura e poderosa. Portanto, mantenha sempre em mente o quão especial e grandioso você é como ser humano, sentindo tudo o que sente e passando por todas as dificuldades que passa. Tudo o mais se encaixará no seu devido lugar. A vida o sustentará.
🌟Por Tiago Bueno
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