A MULHER MARAVILHA MODERNA
- Shaele Rumayor
- 14 de ago. de 2020
- 6 min de leitura
Atualizado: 18 de ago. de 2020
A glamourização da mulher maravilha moderna e o novo arquétipo feminista

Sabe a Mulher Maravilha né? A super-heroína da qual adotamos o nome para designar e elogiar mulheres que dão conta de todos os seus papéis de mulher na sociedade com eficácia, eficiência e efetividade, e claro, que também têm a vida atribulada, corrida e permanentemente sem tempo pra nada. Isso tudo sem que percam a sensualidade, a doçura e o senso de altruísmo jamais! Afinal, esta heroína é a reunião de todos os “superpoderes” masculinos e femininos idealizados num único arquétipo.
A Mulher Maravilha na vida moderna deixou de ser uma personagem para se transformar no adjetivo mais desejado por todas as mulheres (feministas ou não).
Um status de “super” mais digno do que nunca, na medida em que as mulheres são cada vez mais exigidas (inclusive por si mesmas), no desempenho de responsabilidades e apresentação de resultados positivos em diferentes aspectos da vida - Ícone feminista ou aprisionamento em um novo padrão?
O CRIADOR E A CRIATURA
Quando o criador da Mulher Maravilha, o psicólogo William Mountan Marston, falava em entrevista ao editor da revista em quadrinhos que o contratou como consultor, em 1941, sobre suas inspirações para esta personagem, ele disse:
Nem mesmo as garotas querem ser garotas; enquanto ao nosso arquétipo feminino faltar força, coragem e poder... O remédio óbvio é criar um caráter feminino com toda força do Super-Homem, além de toda sedução de uma mulher bondosa e bonita. (MARSTON, aput ROBINSON, 1941).
Marston relata ter se inspirado no Movimento Feminista que explodiu nos EUA entre 1910 e 1920, e também nas duas mulheres com quem manteve um relacionamento poliamoroso e absolutamente harmonioso sob segredo social durante muitos anos. Se dizia um feminista. Criticava o fato de que os super-heróis eram sempre homens e as mulheres sempre estivessem destinadas a papéis coadjuvantes. Pretendia com a Mulher Maravilha inspirar meninas a um novo papel em sociedade.

UM ÍCONE (QUASE) FEMINISTA DURANTE A SEGUNDA GRANDE GUERRA
E o fez, considerando que para a época, um papel de destaque feminino em meio ao mundo dos quadrinhos de super-heróis por si só já é um marco, e considerando que muitas jovens americanas se inspiraram nesta figura para alavancarem seus processos de empoderamento, embora, há de se dizer, que nem assim ela ficou livre de estereótipos.
Lembremos que sempre que a Mulher Maravilha aparece em cena com outros super-heróis, ela volta ao papel secundário, quase sempre é salva pelo Superman e tem marcado seu caráter amoroso e pacifista. Além, claro, de usar um collant bem sexy com as cores da bandeira americana, apesar de a personagem ter sido inspirada em arquétipos de deusas greco-romanas - uma vestimenta bem conveniente para o contexto, quando a Segunda Guerra Mundial estava acontecendo a pleno vapor e a população masculina no front. Assim, a participação das mulheres no mercado de trabalho deste país em guerra se tornou primordial.
Não à toa, após o fim da Segunda Guerra, houve um movimento contrário, em que se buscou a “normalização” do lugar da mulher e elas perderam grande parte dos seus postos de trabalho com o retorno dos homens ao país. E a Mulher Maravilha – pasmem – passou a ter mais preocupações com seu relacionamento amoroso nas histórias em quadrinhos do que com suas missões de heroína, durante alguns anos.

O FEMINISMO ATUAL E O PADRÃO DE SOBRECARGA FEMININA
Já o Movimento Feminista atual ganhou força e adesão com a máxima “Lugar de mulher é onde ela quiser” dando real liberdade de ser e estar para mulheres do mundo todo, apesar de toda resistência patriarcal que se encontra e se encontrará ainda por muito tempo, até que os padrões de crenças e comportamentos machistas e sexistas sejam de fato superados por todos.
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Mas, reparem que nem sempre essa máxima é interpretada com o olhar na sua essência genuína. É como se mulheres e homens lessem, ao invés, algo como “Lugar de mulher é em todos os lugares ao mesmo tempo”. Elas precisam ter autonomia financeira, empreendedorismo, realização pessoal e profissional que também devem estar em constante aperfeiçoamento, além de continuar dando conta de todos os cuidados familiares e maternais. E ainda, parafraseando minha amiga Patrícia Paes
“Ela também tem que estar com os cabelos esvoaçantes e um make natural, além de postar no Instagram, ou você não existirá”.

Isso é uma carga física e mental terrível e cruel que estamos colocando sobre as mulheres com esta leitura. A quem interessa que as mulheres assumam todo esse trabalhão sozinhas, e sejam tão cobradas, externa e internamente por isso, gerando mais e mais culpa, ansiedade, depressão, síndrome do pânico, através de repetidas frustrações?
Se no fim das contas, num mundo onde todos deveriam cooperar de forma justa e igualitária, tal como ressoam os ideais feministas, cabe a pergunta: quem ganha, se um ou outro estiver sobrecarregado? Todos perdem. Mas você, mulher, perde primeiro. E perde mais.
Então eu lhe digo: a onipresença não é um superpoder, não é um dom humano, não neste contexto, e você não é menos mulher por não dar conta de tudo. Não há glamour algum na sobrecarga cotidiana da vida da mulher. Então, apenas pare.
RETORNANDO AO IDEAL FEMINISTA
Pare e volte à origem do que o feminismo é, e sinta o que realmente pulsa em sua vontade. Quais papéis você realmente deseja desempenhar neste momento? E Quais papéis você precisa desempenhar, independentemente da vontade?
Só aí já vai dar uma lista enorme de tarefas a realizar, porque é assim mesmo, nossas potencialidades são infinitas, os chamados a determinadas responsabilidades também, e nosso desejo de concretizar tudo isso de um jeito muito bem feito nem se fale. Mas... calma! Respeite seu tempo. Ninguém pode nem deve dar conta de tudo ao mesmo tempo com tamanha maestria sem cair na penalização brutal de danificar sua saúde física, mental, emocional e energética.
E pare, apenas pare, de tentar atender a todas as expectativas, não importa se elas venham de homens que agora enxergam nas mulheres reais concorrentes em tudo (ou o oposto, homens que se sentem abandonados ou diminuídos em importância na vida da mulher), seja de outras mulheres que na tentativa desesperada de mostrar o quanto são Mulheres Maravilhas só postam seus grandes feitos no Instagram, sorrindo leve e lindamente realizadas em tudo, atendendo a todas as demandas da vida, concretizando vários projetos pessoais e sendo feliz o tempo todo. Nenhum surtinho psicótico sequer.
Isso não é real. É apenas a velha e conhecida falácia do comercial de margarina dos anos 90, só que versão Era digital, e seu novo lema “não mostre estar triste / frustrado / cansado / em dificuldades por nada neste mundo.”

O COMPORTAMENTO EM MASSA NAS REDES SOCIAIS - BUSCA POR RECONHECIMENTO
Convido a olharmos nossas redes sociais e nos perguntar o que há de verdade lá. Sim, a felicidade, as realizações, a serenidade e satisfação de todas aquelas pessoas pode sim serem verdadeiras e serem genuínas. Mas, aprofundando o olhar, podemos nos perguntar: Qual recorte dessa verdade também é real e não podemos ver nas redes dessas pessoas simplesmente porque elas não mostram? E o mais importante: que tipo de medos, vulnerabilidades e crenças está por trás deste comportamento em massa? Que tipo de aprovação estamos buscando? De quem? E para quê?
Será que ser chamada de Mulher Maravilha deveria mesmo ser um elogio, ou esta expressão está mais associada a uma sobrecarga injusta, desigual e danosa à nossa essência e saúde integral, com a qual estamos inconscientemente aceitando que o novo padrão de comportamento feminino nos imponha? E convido principalmente a nos relembrarmos todos os dias, diante da constatação de uma sobrecarga, que o real empoderamento feminino independe do reconhecimento de quem quer que seja.

UM MOMENTO, POR FAVOR
Enquanto eu escrevo este texto, no home office que eu, meu companheiro e alguns amigos construímos juntos, depois de alguns anos de experiências frustradas de trabalho simultâneo ao cuidado das crianças, elas adentram aqui. E começa o rebuliço. Deixo uns minutos eles brincarem até a euforia passar (porque eles também têm um certo espaço aqui, e sabem que podem ficar em alguns momentos, e em outros não. E porque já estou fora de casa há algumas horas, e entendo que para eles parecem semanas), e quando se acalmam um pouco, eu chamo meu companheiro e preciso lembrá-lo: “ainda estou trabalhando, e preciso me concentrar. Pode levar eles para brincar em outro lugar por mais um tempinho?”
E assim é preciso que as mulheres se posicionem, sem agredir, mas deixando claro que para podermos exercer nossas outras potencialidades, precisamos de algum espaço. E rede de apoio. E alguma paz nestes momentos. E ainda assim, não seremos todos felizes para sempre, porque os desafios e sombras da vida fazem parte da nossa caminhada, são também grandes mestres, e por isso não deveríamos ter vergonha de reconhece-los, mas estaremos trilhando um caminho mais coerente com os ideais igualitários e humanos para todos como dizemos buscar.

Shaele Rumayor
Reikiana e Aromaterapeuta
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