Um olhar para velhas sábias: experiências arteterapêuticas
- marinaluzpaim
- 22 de ago. de 2020
- 3 min de leitura
Em minha trajetória como arteterapêuta, tive algumas experiências que me marcaram e movimentaram a trabalhar com velhas sábias. No lugar de um olhar sensível e de escuta das narrativas e experiências de idosas e de sensibilização para que pudessem reconhecer suas próprias histórias e memórias.
Como mexe com o coração escrever sobre elas... Sabe aquela parte da vida que fez e faz sentindo, da qual você continua aprendendo com ela?
Percebo isso com elas, essas senhoras, idosas, velhas sábias me mostram e reforçam o que sinto como terapeuta. Que a troca de afeto muda as pessoas e permite uma vida com qualidade. E como as artes permitem a leveza e o sutil para essa sensibilidade e olhar singular do amor.
Em meio a esse processo percebi como essas senhoras, por meio das diferentes artes, seja da rememoração ou de outros meios e recursos expressivos arteterapêuticos, desvelaram uma busca para entender suas limitações e potencialidades durante o envelhecimento e as marcas do tempo, aumentando a autoestima destas pelo trabalho em grupo ou individual. Compreendo que o envelhecimento é inerente ao ser humano. Me mobilizo a pensá-lo também como uma das experiências de vida, das quais busca-se uma qualidade.
Percebo nos idosos, em específico nas ‘velhas sábias’, imagens de pessoas sábias, que já possuem um conhecimento por meio de suas histórias e memórias, mas que muitas vezes deixam esquecidas com o tempo. Cada uma delas tinham angústias acerca de tornar-se dependente dos outros, seja em lares geriátricos, instituições de longa permanência ou em suas próprias casas com seus familiares. Eis a brincadeira da roda da vida, que permite a sabedoria, mas mostra as marcas do esquecimento, das faltas dos movimentos e afetos, expondo um caráter solitário mesmo em meio às outras pessoas.
Durante os atendimentos com a arteterapia, percebi cada vez mais como essas senhoras velhas sábias carregavam uma bagagem linda, mas também a carência dos afetos. Percebi como aquelas horas de arteterapia revigoram aquelas mulheres, que exerceram diferentes papeis: mães, esposas, cada uma com sua profissão e naquele momento se permitiam olhar exercendo um novo papel, como protagonistas de suas vidas. Foram acolhidas, podendo revisitar suas crianças interiores por meio da criatividade em tecer, cozinhar, plantar, dançar, desenhar, cantar e narrar.
Integração e troca de afeto
Nas cantigas de roda principalmente, percebi um caráter integrador de senhoras com suas pluralidades temporais de 69 a 98 anos. A potência da música com estimuladora dos sentidos de todos os sujeitos, e em específico das memórias no trabalho com velhas sábias e como recurso e símbolo integrador, que age diretamente nas emoções, sensações e sentimentos destas senhoras. Uma vez que todas falavam de um lugar da solidão, mas permitiam um acalanto e afago a alma, por meio das cantigas de infância. Na rememoração, era permitido a saudade, a fala e a entoação de suas dores em melodias lúdicas, como “Terezinha de Jesus”, “Se essa rua fosse minha”, “O Cravo brigou com a Rosa”, bem como um pertencimento e uma empatia entre elas, que nos primeiros encontros arteterapêuticos buscavam disputar a atenção e não se permitiam trocar afeto entre si.
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Com a Arteterapia experienciei junto a essas velhas sábias a mudança de seus olhares para si mesmas. Reaprenderam ou reconheceram o que conseguiam fazer, suas potencialidades e entenderam que suas limitações não lhes impediam de interagir com as outras pessoas com as quais conviviam. E como foi importante para elas em uma melhora da autoestima e o seu reconhecimento como sujeitos criativos! Entenderam que a velhice e o envelhecimento podem ser saudáveis e que se pode ter uma vida com qualidade em todos os estágios ou ciclos dela.
Arteterapia em todos os ciclos da vida
Sinto e penso que atendimento arteterapêutico mostra sua relevância tanto individualmente como coletivamente em todas as idades. Mas em específico, no olhar singular para os idosos, por nos permitir olhar para a finitude do ser humano, sujeitos que, de certa forma, já passaram por todos os ciclos da vida.
A Arteterapia é para todas as idades e permite a cada um se sentir parte da sociedade ao se relacionar com o outro. Por meio da arte, é possível, principalmente, se entender enquanto sujeito ativo e criativo, olhar para si mesmo como protagonista de sua própria história.
Sinto que no setting terapêutico há uma entrega e uma troca de afeto que permite que todos que participam ou participaram dele aprendam algo para suas almas. Por mais artes curativas em todas as idades, por mais afeto e emoções que nos transformam!
Por Marina Luz
Arteterapeuta e terapeuta holística
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